A Realidade Atual do Branqueamento de Corais na Costa Brasileira

03.15.2020

Por: Manoela Lelis de Carvalho Leitão (Pesquisadora – Projeto Budiões)

O branqueamento de corais é um tema recorrente em estudos e notícias relacionadas a ecossistemas recifais e constitui um problema ambiental que, cada vez mais é agravado pelas mudanças climáticas. Com a rápida alteração nas condições da água (temperatura, pH, salinidade), os ambientes recifais se tornam locais estressantes. Existem microalgas que vivem em simbiose com os corais, ou seja, em uma relação vantajosa tanto para o coral quanto para a microalga conhecida como zooxantela. No interior do tecido dos corais, essas algas realizam fotossíntese e liberam oxigênio e compostos orgânicos que nutrem os corais. Por sua vez, as zooxantelas recebem gás carbônico, nitrogênio e fósforo do metabolismo do coral, além de abrigo em seus tecidos. Deste modo é que se dá esta maravilhosa e equilibrada relação simbiótica tão importante para os corais.      

Com o aumento da temperatura da água dos oceanos, essa relação pode ser interrompida e as zooxantelas acabam sendo expelidas pelos corais. Como o tecido do coral é praticamente transparente, ao saírem as zooxantelas levam consigo toda cor, deixando exposta a cor branca do esqueleto do coral, por isso este fenômeno é conhecido como branqueamento. A depender da espécie, do tempo e intensidade do estresse, corais branqueados podem se recuperar, caso as condições voltem ao normal ou sucumbir. Com a diminuição da temperatura da água, por exemplo, as zooxantelas podem ser reincorporadas ao tecido dos corais, recuperando sua cor e vitalidade. No entanto, estudos demonstraram que eventos de branqueamento podem deixar os corais mais suscetíveis à patógenos¹. Além do efeito do aquecimento das águas, outros impactos como o lixo, a diminuição da população de peixes, o derramamento de óleo e/ou outros rejeitos tóxicos, afetam a saúde dos recifes como um todo, e deixam os corais cada vez mais fracos para enfrentar tantos problemas.           

Já são décadas de registros de branqueamento normalmente associados com a ocorrência de eventos El-Niño, um fenômeno atmosférico-oceânico que é caracterizado pelo aquecimento anormal das águas superficiais no Oceano Pacífico Tropical. Este fato, somado ao aquecimento global, tornam a temperatura da água cada vez mais elevada, um fator prejudicial para a sobrevivência de diversos organismos. Antes da Revolução Industrial, esses eventos eram relativamente raros o que permitia a recuperação dos recifes entre um evento e outro. No entanto, uma pesquisa global descobriu que os eventos de branqueamento estão cada vez mais frequentes e esse menor intervalo pode não permitir a recuperação completa desses ambientes ².    

No Brasil eventos de branqueamento são observados desde a década de 1990 3, no entanto, raramente se observava a mortalidade. No ano passado (2019) foi registrado o maior evento de branqueamento do Brasil, tanto em intensidade quanto em tempo de duração. Durante o período de janeiro a maio ocorreu uma elevação recorde na temperatura das água em recifes no Sul da Bahia. Em algumas áreas mais rasas, a temperatura chegou a 31,4ºC, sendo que a temperatura média normal é em torno de 27ºC. O branqueamento foi tão severo que cerca de 90% das colônias de coral-de-fogo (gênero Millepora) não se recuperaram e morreram. Até colônias de corais-cérebros (gênero Mussismilia), que são consideradas espécies mais resistentes, tiveram taxas de branqueamento próximas de 80%. O branqueamento também afetou ilhas oceânicas como o Atol das Rocas (RN), o Arquipélago de Fernando de Noronha (PE) e Ilha da Trindade (ES), além do litoral norte de São Paulo e algumas áreas na Região do Lagos no estado do Rio de Janeiro.   

E neste ano o cenário não mudou muito, em meados de março até os dias de hoje – a água no Nordeste esquentou além do esperado, e pesquisadores identificaram um novo evento de branqueamento, desde o Rio Grande do Norte até o norte de Salvador. Segundo dados informados pela rede Reef Check e pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), as temperaturas de fevereiro a maio deste ano, foram as maiores dos últimos 35 anos na região⁴. As temperaturas médias chegaram a quase 30ºC, que são 2ºC mais quentes do que valores registrados nessa mesma época em anos anteriores na região3. A NOAA, instituição do governo americano que atua em pesquisas sobre o clima, emitiu um alerta de nível 2 para o branqueamento. Esse é o maior nível de alerta da escala, em que a morte em massa das colônias de corais podem ocorrer³. O fenômeno está acontecendo em regiões emblemáticas do ponto de vista da biodiversidade do país, atingindo unidades de conservação como a Área de Proteção Ambiental (APA) Costa do Corais, que vai do sul de Pernambuco até Alagoas e abrange cidades turísticas importantes. O alerta de branqueamento também foi registrado na APA Estadual dos Recifes de Corais, no Rio Grande do Norte, APA Estadual de Guadalupe, Parque Municipal Marinho de Tamandaré e arquipélago de Fernando de Noronha (Pernambuco)⁴. Se essas mudanças no ambiente marinho continuarem nesse ritmo, é certo que estaremos diante do colapso de todo um ecossistema.

Os corais são organismos construtores do recife e acabam por moldá-lo, formando buracos e fendas e conferindo ao recife complexidade estrutural. Quanto mais complexo um recife, maior a diversidade e abundância de peixes que ele abriga. Logo, recifes com colônias de corais grandes e saudáveis, possuem maior quantidade de refúgios para peixes e outros organismos menores. Outro fator chave para a saúde dos recifes é a população de peixes herbívoros, como os budiões. Estes, considerados os jardineiros dos recifes, colaboram no controle das macroalgas e favorecem no crescimento e estabelecimento de novas colônias de corais, já que algas e corais são potenciais competidores por espaço. Em época de branqueamento, seu papel se torna ainda mais indispensável! Sem os budiões para se alimentarem das algas, os corais branqueados, já enfraquecidos, podem não conseguir competir de modo eficaz, prejudicando ainda mais seu processo de recuperação. Assim sendo, os budiões exercem um papel fundamental na manutenção da saúde de um recife de coral.

Para prevenir o branqueamento, devemos lutar para que esses eventos estressantes não ocorram. Dentre as estratégias estão, a criação e ampliação de áreas de proteção aos corais, evitando a exploração inadequada e o aumento da poluição. Ações que reduzam a emissão de gás carbônico, como a diminuição do desmatamento, utilização de energia renovável, o melhor tratamento dos gases produzidos pelas indústrias. Outra estratégia é preservar a biodiversidade do ecossistema marinho como um todo, ecossistemas pouco degradados e alterados são mais resilientes, ou seja, têm maior chance de recuperação após eventos estressantes. O ecossistema global inteiro é interligado, então qualquer atitude que você tome em seu dia a dia, para reduzir o impacto ambiental pode de alguma maneira contribuir na conservação dos ecossistemas de recifes de corais.

Corais branqueados na região do extremo Sul da Bahia (Santa Cruz Cabrália), imagem superior referente a Mussismilia hartii e inferior Mussismilia hispida.
Foto: Manoela Leitão – Projeto Budiões.

Colônia de Mussismilia hispida branqueada sendo dominada por algas. na região do extremo Sul da Bahia (Santa Cruz Cabrália).
Foto: Manoela Leitão – Projeto Budiões.

Fontes:

  1. Westmacott, S., Teleki, K., Wells, S., & West, J. Coral Branqueados ou Severamente Danificados.
  2. Hughes, T. P., Anderson, K. D., Connolly, S. R., Heron, S. F., Kerry, J. T., Lough, J. M., & Claar, D. C. (2018). Spatial and temporal patterns of mass bleaching of corals in the Anthropocene. Science359 (6371), 80-83.
  3. Castro, C. B., & Pires, D. O. (1999). A bleaching event on a Brazilian coral reef.  bras. oceanogr47(1), 87-90.
  4. https://www.nationalgeographicbrasil.com/meio-ambiente/2020/05/corais-no-litoral-do-nordeste-estao-sofrendo-branqueamento-em-massa- alertam#:~:text=O%20branqueamento%20ocorre%20quando%20as,se%20alimentar%2C%20pode%20eventualmente%20morrer.
  5. https://coralreefwatch.noaa.gov/product/5km/index_5km_baa_max_r07d.php